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Casamento: A questão da traição. Como e Porque?

Casamento: A questão da traição. Como e Porque?

Infidelidade

Eu traio, tu trais, ela também.

Alguns flagrantes do que estão fazendo as mulheres infiéis:

- têm mais oportunidades de aventuras,
-nem sempre sentem culpa,
-procuram parceiros em seu círculo de relacionamentos – e, é claro,
-reclamam do marido


Anna se jogou debaixo de um trem, Emma tomou veneno, Luísa se consumiu. Nalva perdeu o marido, foi expulsa da família e... bem, como a história ainda está se desenvolvendo, é possível que se torne uma das primeiras traidoras a não ter o destino tradicionalmente reservado pela ficção, imitando a vida, às adúlteras, como se dizia no passado: desonra, tragédia e morte (Anna é a Karenina de Tolstoi, Emma a Madame Bovary de Flaubert, Luísa a que se enrabichou pelo Primo Basílio de Eça). Já Nalva é a curvilínea personagem da novela Senhora do Destino, que não agüenta mais o marido pelos motivos de sempre – ele é um chato; o cunhado, uma tentação. A novidade está no que vem depois: ela quer voltar, ele aceita. Dá até para ouvir os uivos de inconformismo masculino diante das televisões Brasil afora, mas a subtrama da novela é um indício de que a infidelidade feminina começa a ser encarada fora dos cenários dramáticos habituais.

É possível dizer que as mulheres estão traindo mais e de maneira mais corriqueira?

Não se pretende, aqui, nem tentar fazer tal afirmação. Mensurar o comportamento sexual é um dos terrenos mais escorregadios das ciências estatísticas. Em pesquisas sobre sexo em geral e infidelidade em particular, homens tendem a exagerar suas performances e mulheres, a diminuí-las. Eles, para contar vantagem. Elas, por pudor em abrir a intimidade. Segundo alguns estudos, cerca de 40% das mulheres traem – o número, reitere-se, tanto pode se aproximar da realidade quanto ser um tiro na noite escura da alma feminina. Outros afirmam que o índice se igualou ao dos homens: 50%, pela média mundial, que certamente parece modesta em determinados rincões tropicais. Se é arriscado dizer quanto, pode-se tentar saber como, por que e com quem as mulheres andam traindo. Foi com esse objetivo que VEJA saiu a campo para auscultar o que elas só revelam às melhores amigas depois de algumas tacinhas de chardonnay. A reportagem reuniu três grupos de dez mulheres, entre 20 e 60 anos, em três capitais do país: Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Ali, protegidas pelo compromisso de anonimato, elas falaram – e muito.

A primeira pergunta – por quê? – é a mais fácil.

-Por curiosidade,

-oportunidade ou

-solidão no casamento.

Como?

Em geral, de maneira tentativa, sem grandes arroubos de paixão, para ver como é – ou seja, de modo mais parecido com o que fazem os homens.

Do grupo de trinta mulheres reunidas por VEJA, pelo menos metade já havia tido um caso paralelo durante o relacionamento. Com quem? Geralmente, amigos, ex-namorados, personal trainers (as lendas de academia não são tão fictícias assim) e até com os médicos dos quais são pacientes.

Das trinta, três já haviam vivido um romance com seus ginecologistas. Dentista e pediatra do filho também fazem parte do rol de parceiros citados. Embaladas pelas confissões das outras mulheres, elas revelaram aspectos da infidelidade feminina que contrariam convicções enraizadas. Por exemplo: no grupo reunido por VEJA, composto de mulheres de classe média alta, poucas afirmaram sentir algum remorso (ao contrário do que dizem pesquisas como a do quadro abaixo). Também disseram que sexo de qualidade com o marido é uma das chaves da fidelidade. A maioria garantiu que, se tudo vai bem na cama, a possibilidade de cobiçar o marido da próxima diminui drasticamente.

"Para a mulher, o sexo quer dizer várias coisas: que ela ainda é amada, desejada, respeitada pelo marido.

O homem tem uma visão diferente disso", afirma o sexólogo e ginecologista carioca Amaury Mendes Júnior, que conduziu uma pesquisa com 400 mulheres em seu consultório. Ele constatou que, em 70% dos casos em que a mulher foi infiel, havia uma queixa sobre a vida sexual com o marido.

As oportunidades são criadas por um cotidiano feminino sem paralelos na história da humanidade.

Ter relacionamentos extraconjugais ficou mais fácil em razão das mudanças estruturais na rotina das mulheres libertadas das amarras do lar.

Incluem-se aí fatores como a convivência com mais homens no ambiente de trabalho, o anonimato dos namoros na internet ou a simples atribulação da vida profissional, com ausências que não despertam desconfianças, como as viagens de trabalho.

"É isso que pesou realmente. A mulher não participava desse tal universo sensual, que é o ambiente de trabalho, os congressos, onde todo mundo está, de certa maneira, disponível", afirma o psiquiatra paulista Moacir Costa, que lança no próximo mês o livro Mulher: a Conquista da Liberdade e do Prazer.

Essas mudanças são detectadas nos consultórios terapêuticos. A traição, que era confessada por mulheres aos prantos, arrasadas pelo remorso, hoje é um tema que tende a ser tratado de forma mais racional.

Em geral, a maioria das pacientes até prevê a infidelidade antes que ela efetivamente se realize. As reclamações de que o casamento está tedioso e o marido indiferente precedem o caso em si.

"Hoje, algumas chegam aqui e já acham que trair é a conseqüência óbvia da chatice da vida a dois. Isso era impensável alguns anos atrás", diz Costa.

O fato de que o casamento também perdeu o peso de instituição mandatória, abrindo espaço para a livre escolha, é outro elemento que influencia as experimentações femininas, segundo as constatações do psiquiatra. "Mesmo depois do casamento, elas alimentam a dúvida de saber se fizeram a coisa certa ou não", relata ele. "Às vezes, a traição ocorre para corroborar a escolha do marido. Do tipo: 'Vou experimentar outro homem para ver se o meu marido é realmente o que eu quero na cama'. É sem dúvida um tipo de comportamento novo."

A preocupação – obsessão, diriam muitos – com a fidelidade feminina foi consolidada ao longo de milênios por motivos culturais, antropológicos e biológicos que são quase auto-explicativos.

Nas sociedades patriarcais, esmagadoramente majoritárias, a perpetuação da tribo se dá através da linhagem masculina. Admitir a diversidade sexual da mulher ameaçaria os fundamentos do tecido social – e, principalmente, traria dúvida sobre a transmissão do patrimônio genético do macho.

Em razão desse imperativo supremo, existe um ramo da ciência que procura analisar o comportamento humano à luz das características adquiridas para a preservação da espécie.

Segundo essa teoria, o macho humano, como a maioria de seus equivalentes animais, é intrinsecamente promíscuo, pois vive premido pela necessidade de disseminar seus espermatozóides; enquanto a fêmea, que sempre terá a certeza absoluta sobre a transmissão de seus genes, tem como prioridade criar a prole em condições máximas de segurança, o que exige pelo menos alguma estabilidade conjugal.

Especula-se até que o único animal monogâmico da natureza, segundo a teoria, é o cisne. Ou seja: se quiser fidelidade, case-se com um.

Como tudo, nesse campo, é possível defender teorias completamente antagônicas. "A concepção de que só os homens são poligâmicos é o maior mito da sexualidade", sustenta a antropóloga Helen Fisher, da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos. Em seu livro Anatomia do Amor, Helen estudou o comportamento sexual de homens e mulheres em 62 sociedades ao redor do planeta e concluiu que o adultério em todas as partes é tão comum quanto o casamento. É claro que muitas mulheres (e homens também) optam por ser fiéis.

Mas isso é uma escolha, ou uma necessidade social, não uma imposição biológica.

Por mais conflitantes que sejam os argumentos da eterna briga entre biologia e cultura, o senso comum prevalece em algumas constatações. A mais óbvia: os homens traem por sexo. Já no complexo continente da psique feminina, os motivos se multiplicam.

Mas é fato que a mesma mornidão conjugal que leva os maridos a buscar a variedade corrói nas mulheres um dos mais poderosos motores da sexualidade feminina (e, por conseqüência, da auto-estima): o sentir-se intensamente desejada.

"Meu marido parou de notar que eu cortava o cabelo, que estava de lingerie nova. Ele não perguntava nada da minha vida, do meu dia. Passei a me sentir um lixo, totalmente desprezada. Trair foi um escape para provar para mim mesma que eu não era tão insignificante assim",

disse uma médica carioca, de 35 anos, que traiu o marido uma única vez. "Esse homem que conheci dizia que sonhava com o cheiro do meu cabelo. Eu fiquei totalmente entregue", afirma.

Quer dizer que mulheres felizes no casamento não traem? "Isso não tem nada a ver. Felicidade no casamento é um termo amplo. Pode-se ser feliz em certos aspectos e em outros não", disse a VEJA Stephen B. Levine, psiquiatra americano, especialista no assunto. Às vezes, a oportunidade, uma carência momentânea, uma atração sexual forte bastam. Se o casal está numa fase morna ou é mais centrado nos filhos, também fica mais vulnerável. Todo mundo, homens e mulheres, está sujeito o tempo todo a conhecer alguém interessante ."Tinha uma vida ótima, um filho lindo, tudo ia bem. Mas comecei a me envolver profundamente com um cliente da minha empresa. Por quê? Atração, só isso", conta uma publicitária pernambucana, de 33 anos.

A ressaca moral, apontada pelos estudiosos, é recorrente. A maioria das pessoas afirma que preferia que a infidelidade não ocorresse.

Se há filhos, o remorso pesa mais ainda. "Elas se sentem transgredindo, errando, trapaceando o padrão social que lhes foi imposto. Mas isso só costuma acontecer quando se está longe do amante. Na cama, ninguém fica se mordendo de culpa", disse a VEJA Donna Bellafiore, psicóloga americana, autora do livro Conversa Franca sobre a Traição: um Guia de Auto-Ajuda para Casais. A distância entre a culpa e a vertigem, no entanto, como sempre souberam os grandes conquistadores da história, é muito pequena. "Dar o primeiro beijo é difícil, mas depois você vai indo paulatinamente. Quando vê, já está andando de mãos dadas no shopping", diz uma empresária paulista de 35 anos, que manteve um caso por quatro anos.

Mãos dadas evidentemente simbolizam o vínculo emocional que a maioria das mulheres procura, mesmo na aventura – tanto que a infidelidade feminina tem menos do sexo tipo oi-tchau, a noitada de farra e acabou, mais comum entre os homens. Nos consultórios terapêuticos, constata-se que, muitas vezes, as mulheres tendem a ser mais fiéis aos amantes do que aos maridos. "Há uma transferência de expectativas.

Aquele sujeito com quem ela se casou e jurou amor virou um semi-sapo. Aí, ela transfere todas essas expectativas juvenis para o novo cara que aparece, inclusive a fidelidade", comenta Zoraida de Andrade Faria, que escreveu sua tese de doutorado sobre a atração sexual. "Mulher se expõe menos. Não vai arriscar seu casamento por uma noite de sexo com um estranho. O que ela busca no outro é o que ela não acha mais no marido. É quase sempre carinho, atenção, elogios. Sexo é um detalhe", diz Beth Hedva, psicóloga canadense, autora de livros sobre o assunto.

Por esse motivo, as mulheres que traem quase sempre o fazem com pessoas conhecidas. Uma pesquisa americana aponta que em 60% dos casos a traição ocorre no ambiente de trabalho. É aquele colega com quem ela vai almoçar todos os dias e com quem troca pequenas confidências por e-mail. Mais uma vez: gente com quem ela já tenha certa intimidade. Ex-namorados, amigos e até o personal trainer, por mais que isso soe como piada, também são escolhas freqüentes. Uma publicitária paulista de 49 anos que participou do debate de VEJA revelou que teve pelo menos cinco casos ao longo do casamento de vinte anos. Sempre com conhecidos. Entre eles, colegas do escritório, o pediatra dos filhos e o ginecologista. "Ocorreu uma atração física forte. Mas, no caso do pediatra, eu também me sentia protegida pelo fato de ele cuidar do meu filho. Eu era grata", conta.

A radical diferença entre os motivos que levam à traição também faz com que a percepção que os homens têm sobre a infidelidade feminina seja muito diferente da realidade. A psicóloga americana Shirley Glass, considerada a "madrinha das pesquisas sobre infidelidade", segundo o jornal The New York Times, fez uma pesquisa com dados curiosos sobre a idéia masculina da infidelidade da esposa. De acordo com o estudo, os homens geralmente não têm a mínima idéia de quando a mulher está vivendo um romance fora do casamento, ao contrário das mulheres, que, segundo constatou, estão certas em 90% das vezes em que desconfiam. Shirley, que morreu no ano passado, defendia a tese de que a maioria dos homens, se não nega as evidências, procura sinais óbvios da traição. É um erro, porque, na verdade, os indícios são quase sempre o contrário. Por exemplo: não passa pela cabeça de grande parte deles que a mulher possa se interessar por um tipo mais velho, careca e com uma barriguinha saliente. O marido, em geral, desconfia do bonito, jovem e sarado. No entanto, se o sujeito da barriguinha apresentar bom desempenho (emocional, ressalte-se, traduzindo-se em paparicações e demonstrações de afeto), terá boas chances. Em alguns casos, a perfídia feminina não é apenas paranóia dos machões. "Depois de começar a trair meu marido, passei a tratá-lo como um reizinho em casa. Ele não percebia nada, embora eu ficasse muito ausente – inventava cursos de cerâmica, mil viagens de trabalho, passava o dia na internet, tinha dois endereços de e-mail que meu marido ignorava. Eu sabia que ele jamais descobriria porque ficaria procurando contas de cartão de crédito ou chamadas no celular, coisas que, obviamente, eu escondia", conta uma advogada carioca de 41 anos, que manteve um caso extraconjugal por três anos.

O fato de a infidelidade feminina parecer estar mais presente no mundo da realidade começa a despertar entre os homens, em alguns casos, o mesmo tipo de reação com que tantas mulheres já se debateram: o que fazer quando o cônjuge vive uma aventura, mas nem pensa em desmanchar o casamento por causa disso – e o casamento vale, sim, ser salvo. Se o escândalo e a baixaria, seguidos da conseqüente expulsão da adúltera, soam antiquados, o sofrimento não tem nada de superado. "Descobrir que foi traído desestabiliza o homem em sua característica mais íntima, a virilidade. Sua identidade masculina é ferida. Isso é algo muito profundo. Já as mulheres se sentem atingidas em seu papel social, em como vão ter de lidar com aquilo socialmente, o que também é um pesadelo", afirma o psiquiatra paulista Luiz Cuschnir. Em seu consultório, ele procura dar três conselhos aos pacientes casados com mulheres que foram infiéis. O primeiro: a traição foi algo que aconteceu "com ela"; em nada diz respeito a você e não deve atingir a sua imagem. Outro: nada de pedir detalhes sobre o affair. Isso só traz mais angústia. E mais: proteja-se das atitudes autodestrutivas – beber demais, ceder aos impulsos violentos, detonar o casamento. "Posso garantir que o impacto do fim de um casamento sólido devido a uma traição corriqueira tem um poder destrutivo dez vezes pior do que a traição em si. Um caso não deve e não pode ter esse poder", diz Cuschnir. Pode haver gente que ache que só Leandro, o bondoso marido da Nalva da novela, seria capaz de tanto autocontrole. Acreditem: não é o único.

O pecado mora na internet

Depois de 25 anos estudando o comportamento de mulheres que traíram o marido, a psicóloga canadense Beth Hedva concluiu, sem surpresa, que a infidelidade resulta em geral da combinação de oportunidade com vulnerabilidade emocional.

Quatro situações recorrentes:

• A mulher se sente ignorada, desprezada ou afastada da rotina do marido

• Acha que se anulou ao longo do casamento

• Usa a internet para visitar salas de bate-papo e trocar mensagens. Estudos mostram que 40% dos usuários contumazes conversam em linguagem explícita e desinibida, o que acelera a intimidade. Em 14% dos casos, a relação passa de virtual a real

• Tem contato estreito com um colega de trabalho que é abertamente interessado nela, mostra-se compreensivo, não economiza elogios e ri de suas histórias mais do que seu marido.
Pr Ismael e Pra.Cleire